Último sanctuário...finalmente se acaba a aventura pelos Western Ghats. Desta vez não paro em Mapusa, vou directamente de Cotigao para Netravali...sendo um sanctuário relativamente recente ainda não possui infraestruturas para receber turistas ou qualquer outro tipo de visitantes...logo a minha estadia iria ficar por conta de uma Quinta de Especiarias, que possui pequenos quartos pelo meio das plantações. Eu fiquei com a Cinnamon Cottage.
Tradicional, com paredes de lama e o chão batido com excremento das vacas, janelas e porta de canas e madeira. Nada disto para mim me incomodava, aliás a varanda com vista para a plantação era a melhor parte...passei a tarde do primeiro dia sentada, a olhar para a natureza à minha volta. O que realmente me estava a meter um "pouco de impressão" era o facto de a parte interior da casa ter acesso quase directo ao exterior...posso ser bióloga e gosto imenso de animais, mas é quando vou eu à procura deles, não quando estou a dormir e há a possibilidade de eles entrarem para a cama comigo. O telhado não tocava nas paredes, deixando espaço suficiente para insectos, rastejantes e afins entrarem, além dos espaços debaixo das portas e entre as janelas.
O facto de haver marcas de garras paredes acima também não era muito reconfortante. Mas pronto, tinha de ser, tinha de arranjar coragem e aproveitar enquanto ali estava. Ahhh...mas o chuveiro era de água quente!!!
Foi uma tarde cheia de emoções, o ver onde ia dormir, o descobrir que não havia rede telefónica ali, o facto de as coisas nesse dia não terem corrido bem de inicio, pois o RFO pelos vistos não estava à minha espera naquele dia e logo não tinha tomado as provisões necessárias para a minha chegada. Pequenos problemas que se acumulam às saudades e tristeza e que me levam a não querer mais ficar. Depois de me instalar, sentei-me na varanda, tudo à minha volta era natureza, as cores, os sons e os cheiros, deu-me para escrever, desenhar, pensar...Se não pensasse que à noite teria de dormir ali, tudo o resto era perfeito... No meio dos pensamentos, começo a ouvir um forte som a aproximar-se...sem perceber bem o som que ouvia, comecei a olhar em todos os lados, até que me apercebi que era rasmalhar de folhas mesmo no fundo do sitio onde estava..e de repente, vejo uma cobra com mais de 2 metros a fugir a 7 "pés", que mal tive tempo para a ver...do que fugia?? De outra cobra com quase o mesmo tamanho ou maior..que depois de se assegurar que a outra tinha realmente ido embora, voltou calmamente para o monte de folhas caídas ali ao pé. Aconteceu tudo tão rápido que nem tempo tive de pegar na máquina..apenas me lembro de dizer "Uooh...uoohhh..uuoohh"
A Quinta tinha uma zona de restaurante, era hora de jantar e a noite já tinha caido...apesar de algumas lanternas pelo caminho, estava escuro que nem breu, peguei na minha lanterna e segui caminho...Por acaso, o responsável encontrou-me a meio caminho, ia buscar-me ao quarto, mas eu adiantei-me =)
Rapaz novo e com inglês perfeito, via-se que tinha hábito de falar com estrangeiros e que vivia para aquilo. Como era a única hóspede naquela noite, o jantar foi-me servido à mesa, caso contrário o restaurante funcionava como Buffet. A comida era muito boa, e ao contrário das Rest-Houses onde estive anteriormente, aqui nem se sentia o picante...mais uma vez, habituados ao palato de quem não tem hábito de picante, a comida era feita sem chilis. Sinceramente, eu até senti falta!!! O rapaz (e eu mal educada que sou nem lhe perguntei o nome...=\ ) sentou-se comigo para fazer companhia e conversamos enquanto eu comia, desajeitada, com as mãos. Uma das coisas que ainda não me habituei nestes sitios é a quantidade de comida...normalmente, trazem-me arroz, chapati, dhal (caldo de lentilhas e vegetais), caril, mistura de vegetais, e mais umas quantas coisas que eu nem sei bem...nas Rest-House e cottages onde estive, normalmente vinham as primeiras 4 coisas, mas aqui além da taça do arroz e dos chapati, deveria ter sem exagero umas 6 tacinhas com coisas diferentes, além da fruta no fim. Claro que nunca consegui comer tudo...
Após a janta, volto a dirigir-me ao meu quarto...e agora sim começava o meu sofrimento...Noite escura, isolada no meio da plantação, sem meio de comunicação com ninguém e sempre a pensar que algo iria entrar para dentro do quarto e ir para a cama comigo (sinto-me sozinha mas não é bem o tipo de companhia que queria)...Foi uma noite bastante assustadora confesso...além disso, uma árvore de caju que estava mesmo por cima do quarto, estava sempre a deixar cair os frutos, fazendo grandes estrondos ao bater no telhado e fazendo-me estremecer todas as vezes, além das marcas pelas paredes e das duas cobras que tinha visto pela tarde. Todos os sons me assustavam... não eram os bichos grandes que me assustavam, esses sabia que ficavam do lado de fora, mas os pequenos, esses tinham porta aberta por onde quisessem. Passei grande parte da noite a ver documentários da BBC - Human Planet, para animais já me bastava os que tinha à minha volta. A meio da noite, quando finalmente comecei a relaxar, tive de ir à casa de banho...passei por vários insectos, que apenas posso descrever como sendo uma mistura entre aranha e gafanhoto, que nem percurso de obstáculos..mas esses já os "conhecia" desde que tinha chegado (apesar de achar que havia alguns novos), olhei toda a casa de banho em volta para ver se havia "novidades" desde a última vez que lá tinha ido...pareceu-me tudo OK. Sentei-me, e assim que ia começar a fazer o meu xixizinho...passa-me um gecko (primo das osgas e dos lagartos) por cima dos pés a correr com quase 30cm desda a cabeça ao fim da cauda...sinceramente não sei o porquê de não ter gritado, porque a vontade não me faltou... o coração subiu-me à boca e tremia que nem varas verdes...ao ínicio não me apercebi o que era, e foi a surpresa que me assustou mais que o bicho em si...depois de me ter visto o que era, ri de mim própria, e da figura que estava a fazer (apesar de sozinha)... uma bióloga (e que diz que gosta de répteis) a assustar-se ou melhor a "cagar-se" de medo... O bicharoco lá saiu, mais assustado que eu, e dirigiu-se para debaixo da cómoda do quarto...Sabendo que ele lá estava, já não tinha qualquer problema com ele... Desde que saiba onde estão, fico tranquila, a surpresa é que me assusta. Acabei por adormecer já passava das 5 da manhã e por cansaço, nunca sono tranquilo e abria a pestana de 5 em 5min quase que fazendo vistoria à cama e às paredes em volta.
Às 7 começa o sol a raiar, e todos os pássaros das redondezas cantam de alegria. Ainda de pijama, sento-me de novo na varanda, observando os raios de sol a esgueirarem-se por entre as folhas das palmeiras e os passarocos a saltitar...Apesar da noite mal dormida, aquele cenário idílico e todo o ambiente que me envolvia fazia sentir-me rejuvenescida...
Às 8 dirigi-me novamente ao restaurante, e como havia novos hospedes desta vez tinha self-service. Uma espécie de crepes feitos com arroz fermentado (parece mau, mas é bastante bom), alguns vegetais, folhado de carne e doce caseiro de anánas...o melhor pequeno-almoço que já tive por aqui. Em todas as refeições tive a companhia de uma pequena gata, super dócil e sempre pedinchando algo para comer.
Segui então com o trabalho...fui conhecer o RFO do sanctuário, e fiquei completmente alegre ao saber que tal como Paresh, também este tem paixão pelo que faz. Conversámos imenso, mostrou-me os seus planos sobre as infraestruturas que quer construir e disse-me que eu já tinha idade para casar!!! Há duas coisas que oiço bastante desde que cheguei, às vezes directa, outras indirectamente...que tenho de perder peso, e que já tenho idade para casar!!! Na india não há subtilezas, se há algo de errado contigo eles dizem-te na cara...
Depois da "teoria" toda, fomos finalmente para o campo..,visitámos cascatas, trilhos, templos e até uma Plantação de Morangos que pelo percebi ser a única em Goa. Mais uma vez sendo tratada como Madame, os guardas ofereceram-me duas caixinhas de morangos (além dos que apanhá-mos e comi na hora, mesmo quentes eram deliciosos).
Por motivos de força maior tive de voltar nesse dia para Mapusa...mesmo antes de me vir embora do sanctuário, para não desanimar a Natureza "ofereceu-me" uma muda de pele de uma cobra-de-vinha (Green whip ou Vine Snake) completa!!! (o que não é normal, normalmente só se encontram bocados).
E assim termina a minha visita aos Sanctuários de Vida Selvagem em Goa.
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