quinta-feira, 20 de março de 2014

Mhadei Wildlife Sanctuary

Desta vez a boleia veio ter directamente comigo...às 8.30 da manhã eu, a minha super-mala e a Mallika (rapariga que me acompanhou e que também esteve em voluntariado com a Goa Foundation) esperávamos pacientemente pelo Ranger Forest Officer - Paresh Porob. Ao contrário dos RFOs que tinha conhecido anteriormente, este é realmente apaixonado pela Natureza, Vida Selvagem e a sua Conservação. Foi das viagens e das maiores conversas que já tive com qualquer membro do Departamento de Florestas. Foi um dos membros fundadores deste santuário e leva a peito o seu trabalho. 
Após uma viagem de hora e meia chegamos finalmente aos Western Ghats: colinas, montanhas, picos e vales cobertos por um verde que nos prende o olhar. Uma vez que o santuário é recente (foi criado em 1999) as instalações ainda não foram propriamente criadas, então o nosso pousio foi a "Rest-House" mantida pelo FD. Uma espécie de pousada mas apenas destinada aos membros do FD. Não pensei de ter tão boas condições, um quarto com duas camas, e casa de banho privada; uma sala com vários sofás e televisão (finalmente vi um pouco de TV desde que cá estou...e qual o canal escolhido - National Geographic), mesa de jantar com vários lugares e a cozinha que não estava propriamente aberta ao 'público', e para nos servir uma versão indiana de Mordomo, cozinhava as nossas refeições, atendia a todos os nossos pedidos e até nos trazia o chá ao quarto. Não podia esperar melhor...até no dia em que me apeteceu chamuças para o lanche ele fez o favor de as ir comprar com paezinhos a acompanhar. E mais uma vez a natureza veio até mim...na primeira noite depois de já preparada para dormir, a Mallika chama-me, e pela segunda vez havia uma rã na casa-de-banho, se fosse por mim não havia problema mas a Mallika não parecia muito disposta a partilhar a casa-de-banho com esta nova companheira de quarto. Então a saga começou, mas também durou pouco tempo, encontrando um burado na parede a Froggy II esgueirouce por lá e não fomos capazes de a apanhar...Nunca mais a vimos!!
Na primeira tarde fomos ver um pouco do santuário, e como o veiculo do FD não estava disponivel o Guarda Lindsay e um dos seus ajudantes levaram-nos nas suas motas...É uma experiência completamente diferente, consegue-se ver muito mais, cheirar muito mais, sentir muito mais a Natureza à nossa volta...e ali andámos colina acima colina abaixo até quase ao anoitecer. 

Foi neste santuário que tive o primeiro vislumbre daquilo que realmente me rodeava apesar de não os ver...de acordo com o RFO, fomos os primeiros 'civis' a ver de perto as pegadas de Tigre que tinham documentado recentemente ali, assim como alguns dos sítios que é sabido estes majestosos animais descansarem...não vi nenhum, e se isto foi o mais perto que alguma vez irei estar de um tigre...então já fico completamente contente. (Apesar de que a adrenalina de ver um tigre no seu meio seria uma coisa do outro mundo)




Este foi o Santuário em que me senti mais confortável, tanto o RFO como os Guardas Florestais eram todos extremamente simpáticos e tratavam-me como Rainha. Abriam-me a porta do carro para entrar e sair, nos dias em que saimos cedo para o campo e o "mordomo" ainda não tinha preparado o pequeno-almoço levavam-nos  para comer num café local, para mim baseava-se em pão doce e chá com leite (ainda não consigo comer bhaji logo pela manhã - uma espécie de caril de vegetais mas um pouco mais leve), e eram eles que pagavam sempre. Houve um dia em que saimos com 3 guardas, Lindsay que nos acompanhou todos os dias e os guardas respectivos das zonas que iria ver nesse dia, levaram-nos a tomar o pequeno-almoço, comprarm sumos pelo meio da manhã para matar a sede, e acabámos por nos alimentar do entusiasmo uns dos outros, pois eles estavam empenhados em mostrar tudo o que a sua zona tinha de melhor, aliás queriam levar-nos a zonas que o RFO não achava muito jeito de nós irmos devido ao perigo de sanguessugas (o que para mim foi triste, pois queria experimentar a sensaçaõ =) ). A hora de almoço chegava mas o entusiasmo era tanto pelas duas partes que acabamos por continuar nos caminhos dos Western Ghats sem ver que a barriga dava horas. Foi já por volta das 2 da tarde que acabámos por passar numa plantação de coqueiros...e mais uma vez a simpatia de todos fez-se notar, pediram para irem apanhar côcos para nós...já tinha bebido água de côco e não achei grande coisa, pois esta foi a água de côco mais deliciosa que já bebi...
Com a destreza própria que advém dos anos de prática o rapaz subiu ao coqueiro que devia ter a altura de uma casa de 3 andares com uma rapidez incrivél, sem corda nem nada que o ajudasse além das suas mãos e pés!





Doce e completamente refrescante...Além do côco que nos deram ainda encheram uma garrafa para levarmos para casa. Depois de toda a água bebida, chegava a hora de comer...abriam o côco ao meio e com uma colher 'natural' era só o raspar o interior...Divinal!!!


Eram 4 da tarde quando chegámos a casa para almoçar...mas foi um dia em cheio!! =)

Certo dia o RFO veio jantar à Rest-House...além de nós havia 2 casais a passar umas férias, um dos senhores teria sido um ex-RFO para o FD, agora reformado e infelzimente já debilitado gostava de passar uns dias perto das áreas onde tinha trabalhado. Sabendo o trabalho que estava a realizar, não consiguiu deixar de falar comigo sobre as florestas, o tempo em que lá tinha trabalhado, e claro sabendo ser portuguesa falou do tempo em que os portugueses reinavam por aqui. Devido à sua presença, Paresh veio jantar com eles (por hábito eu e Mallika comíamos antes do resto das pessoas da casa, nunca chegámos a perceber porquê). Após o jantar, Paresh e Lindsay levaram-nos numa 'visita' nocturna pelo santuário, foram mais 2 horas de conversa...a história que mais me marca a memória foi a de como o Paresh conseguiu descobrir o caçador responsável pela morte de um tigre no sanctuário através de uma fotografia num jornal. 
Promenores já me escapam da memória, mas foi autêntico caso de CSI: Um jornalista mal intencionado publica a fotografia de um tigre morto no santuário, dando alerta para o caçador se pudesse escapar. Com a fotografia, Paresh descobrir o número de Pixels da máquina/aparelho que teria tirado a foto. Descobriu que era de um telemóvel, com isto viu os preços de telemóveis e a capacidade das pessoas da vila ali perto para os comprar, diminuindo as hipóteses para um. Com pessoal infiltrado, descobriu quem na vila teria tirado a fotografia, chamando-o para interrogatório. Contudo, a fotografia era a única prova da morte do tigre, precisava de descobrir o local para tentar encontrar mais provas. Através de indicios visuais como musgo, ribeiro e formações rochosas na fotografia, montou equipas para vasculhar as áreas. Após encontrar a área, descobriu sinais de uma fogueira com restos de um animal, mas porém o tamanho de um osso no meio das cinzas apontavam para algo mais pequeno, os testes de ADN vieram a revelar que era um cão. A fogueira tinha sido feita para despistar o local certo onde o animal teria sido morto. Ao sentar-se numa rocha, e por ironia do destino, descobriu um maço de cigarros vazio. A busca ai teve novo rumo, procurar ali perto por pontas de cigarros. E foi assim, que deram com o local exacto onde o tigre tinha sido morto, era uma armadilha de arame para caça mais pequena, javalis ou veados (apesar de ser extremamente proibido caçar dentro dos santuários), o tigre teria ficado lá preso e tanto fez força para se soltar que o arame acabou por lhe cortar a barriga. Contudo o culpado ainda estava por prender. Com o autor da fotografia sobre interrogatório e com os agentes infiltrados, lá conseguiu descobrir quem era o autor da armadilha (e pelos vistos já recorrente). Era sabido que o culpado já tinha fugido, possivelmente para o estado vizinho, Karnataka, para casa de familiares. Então Paresh montou equipas nas casas de todos os familiares próximos daquela área, e conseguiu apanhar o culpado. 

Infelizmente nessa noite a sorte não estava do nosso lado, pois não chegámos a ver nenhum animal. Já passava da uma da manhã quando demos a noite por terminada, e combinamos uma nova busca logo pela manhã cedo, 6h foi a hora combinada. Cerca de 5 horas de sono parece pouco, mas o meu entusiasmo era tanto que o despertador ainda não tinha tocado já eu estava bem desperta, ao contrário de Mallika que quase tive de a arrancar da cama. 
Paresh levou-nos para uma caminhada numa das partes mais 'intocadas'. Mais uma vez, conversa não faltou, histórias por parte do Paresh, histórias da minha parte, o nosso passado e o futuro da Conservação. Foi das pessoas que mais me deu gosto conversar. Nesse mesmo dia Paresh teria de voltar para Panjim, pois no fim-de-semana iria receber uma Medalha de Honra e tinha preparativos a fazer. Como eu também tinha terminado o meu trabalho, esta viagem acabou como começou, Paresh tranzendo-nos de volta a Mapusa. 



Contundo esta vida de Ranger não é só coisas boas, muitos rangers são mortos em serviço por todo o mundo. Infelizmente os caçadores furtivos querem os ver mortos assim como aos animais que caçam. Aqui na India não chega a isso, mas Paresh têm vários processos em tribunal por cumprir seu dever em proteger as 'suas florestas', postos por caçadores ou outros infractores que dizem que ele lhes destruiu a vida. 

Reportagem fotográfica completa:
https://www.flickr.com/photos/lotustigrespavoes/sets/



Sem comentários:

Enviar um comentário